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Caminhos da alimentação: o que chega à mesa das mulheres negras coloca o maior grupo demográfico do Brasil no centro do debate sobre o acesso à comida de verdade. A partir dos dados e das histórias de Gercina, Claudecir, Conceição e Lindalva, mostramos como sobreposição de jornadas de trabalho, renda, sobrecarga com tarefas de cuidado e afazeres domésticos, acesso a transporte e saúde influenciam na aquisição e no consumo do alimento que chega à mesa. 

A fonte principal de dados é a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que classifica aquisição, despesas, rendimentos e situação de segurança alimentar ou níveis de insegurança alimentar (IA) da população brasileira. A partir da POF, definimos o recorte territorial e os perfis das entrevistadas. 

As quatro mulheres, que moram na região metropolitana de Recife (PE) e arredores, compartilharam sua rotina durante sete dias. Com seus diários de alimentação, montamos uma base de dados  inédita para cada uma delas, que reuniu todos os alimentos consumidos em cada refeição ao longo da semana. 

Em Caminhos da Alimentação você encontra uma narrativa visual guiada por dados que combina fotografia, vídeo, texto e gráficos que desmistificam os estereótipos da escassez de alimentos e da pobreza da cultura alimentar no Brasil e destacam como a perspectiva de gênero, raça e território são essenciais para políticas públicas, pesquisas e cobertura jornalística sobre o tema.  Além disso, reúne entrevistas com pesquisadoras que estão à frente da agenda da alimentação no Brasil e nos mostram os caminhos possíveis para sistemas alimentares sustentáveis.

EQUIPE

Planejamento e coordenação

MARILIA FERRARI

VITÓRIA RÉGIA DA SILVA

Reportagem e entrevistas

Adriana Amâncio

Fotografia e captação de vídeo

joão Velozo

Análise de dados

Marcella Semente

Design

MARÍLIA FERRARI

VITÓRIA SACANI

Edição de texto

Aline Gatto Boueri

Edição de vídeo

Juli Cândido

Desenvolvimento

Amanda Gedra

SOBRE AS ORGANIZAÇÕES

Gênero e Número

A Gênero e Número é uma associação de mídia independente que produz, analisa e dissemina dados especializados em gênero, raça e sexualidade em diferentes formatos.  Com linguagem gráfica, conteúdo audiovisual, pesquisas, relatórios e reportagens multimídia, informa uma audiência interessada no assunto para impulsionar o debate sobre equidade e embasar discursos de mudança.

PARCERIA FIAN BRASIL

FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas foi fundada em 2000 e tem como missão contribuir para um mundo livre da fome e da má nutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o de se alimentar com dignidade e autodeterminação. Publicou em 2023 o livro Prato do Dia: Desigualdades. Raça, Gênero e Classe Social nos Sistemas Alimentares, base de uma oficina para jornalistas organizada pelo portal Nós, mulheres da periferia com a Gênero e Número.

APOIO Instituto Ibirapitanga

O Instituto Ibirapitanga é uma organização dedicada à defesa de liberdades e ao aprofundamento da democracia no Brasil. Desde 2017, apoia iniciativas a partir de seus dois programas: sistemas alimentares e equidade racial. Por meio de doações, o Instituto apoia organizações, movimentos e coletivos da sociedade civil brasileira que desejam produzir transformações estruturais positivas no país. Para isso, valoriza sua autonomia e fortalecimento e busca construir relações de confiança e dar flexibilidade e abertura à experimentação.

METODOLOGIA

1. Estimativas da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)

A narrativa visual  teve como fonte principal de dados a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A POF foi escolhida pois disponibiliza a classificação das famílias segundo sua situação de segurança alimentar ou níveis de insegurança alimentar (IA) – leve, moderada e grave –, além das estruturas de aquisição e despesas com alimentação, e características sociodemográficas e de rendimentos da população.

A classificação segundo a situação de segurança alimentar na POF foi feita a partir da aplicação das perguntas da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), utilizada há mais de três décadas em vários países por captar níveis de IA a partir de aspectos comuns a diferentes contextos socioculturais. Na POF 2017-2018, a experiência do domicílio nos últimos 90 dias é classificada segundo uma das quatro categorias de situação referentes à segurança alimentar e nutricional (IBGE, 2020):

  1. segurança alimentar: quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais;
  2. insegurança alimentar leve: preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro; qualidade inadequada dos alimentos resultante de estratégias para não comprometer a quantidade de alimentos;
  3. insegurança alimentar moderada: redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre os adultos;
  4. insegurança alimentar grave: redução quantitativa de alimentos também entre as crianças, ou seja, ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo as crianças; a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio.

A classificação dos alimentos disponíveis no domicílio foi feita com base na classificação NOVA, que divide os alimentos de acordo com a extensão e o propósito do processamento industrial a que foram submetidos e também compreende quatro grupos: i) alimentos in natura ou minimamente processados, ii) ingredientes culinários processados, iii) alimentos processados e iv) alimentos ultraprocessados.

Todas as análises foram realizadas a partir dos microdados da POF, por meio do software R, e as estimativas obtidas com incorporação do desenho amostral complexo por meio do pacote survey. A despeito dos sinônimos utilizados (como família, residência ou domicílio), os resultados referem-se sempre à unidade de consumo, que constitui a unidade básica da pesquisa no domicílio e abrange um conjunto de moradores ou um único morador, que compartilham da mesma fonte de alimentação ou compartilham as despesas com moradia. Dessa forma, um mesmo domicílio pode ser constituído por mais de uma unidade de consumo e, portanto, será analisado separadamente. Características como sexo, raça/cor, ocupação, rendimento e outras são referentes à pessoa de referência da unidade de consumo – por vezes referida como chefe da família ou pessoa responsável pelas despesas e/ou aquisição de produtos. Os resultados referentes à categoria mulheres que cuidam de crianças foram obtidos a partir da identificação de domicílios com um adulto e pelo menos uma criança, cujo adulto pessoa de referência era mulher.

¹ Mais detalhes sobre as perguntas que subsidiam o cálculo do indicador de segurança alimentar podem ser conferidos na publicação do IBGE Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil.
² A definição de cada grupo pode ser conferida na publicação do IBGE Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil.

2. Definição do recorte territorial

Com base nos resultados sobre aquisição alimentar das famílias segundo as grandes regiões do Brasil, obtidos a partir da Pesquisa do Orçamento Familiar 2017-2018 (IBGE), voltamos nosso olhar para o Norte e Nordeste do país, onde alimentos in natura ou minimamente processados compõem a maior parte da cesta (58% e 55%, respectivamente) e alimentos ultraprocessados a menor (11% e 14%). Escolhemos focar no Nordeste pelo fato de a região apresentar uma cesta alimentar mais variada quando se trata de alimentos in natura e minimamente processados, a fim de compreender como essa variedade contrasta com um imaginário social associado à fome e à pobreza.

3. Escolha das personagens

Para definir o território das entrevistadas, entendemos que era importante ter um recorte local para acompanhar suas histórias e comparar suas rotinas. A partir da análise dos dados da POF, observamos que os estados de Sergipe, Rio Grande do Norte e Pernambuco lideram a aquisição de alimentos in natura e minimamente processados no Nordeste, além de apresentarem maior variedade na cesta. 

Escolhemos Pernambuco por apresentar a maior população - cerca de 9 milhões de habitantes em comparação com 3 milhões do Rio Grande do Norte e 2 milhões de Sergipe.

Optamos por mulheres que vivem em áreas próximas: na região metropolitana do Recife e arredores. A escolha permitiu comparar a diversidade da cesta alimentar de cada uma sem alteração nos aspectos regionais: em condições de equidade, todas poderiam adquirir e consumir a mesma cesta de alimentos. Depois da definição territorial , olhamos para as classificações do IBGE de composição familiar, ocupação e idade para definir os perfis das entrevistadas.

4. Entrevistas e coleta de dados das personagens

Nas entrevistas iniciais, criamos um roteiro para coleta de informações que se transformaram em visualizações de dados sobre o perfil de cada mulher: renda, gastos com alimentação, endereços dos locais onde fazem compras, rotina cotidiana, rotina de compras e tempo destinado à aquisição e preparo de alimentos. Como a renda e outras informações poderiam variar ou ser alteradas durante  a produção do especial, definimos que a coleta dessas informações seria feita durante o mesmo período de um mês, para comparação entre as mulheres. Também acompanhamos um dia da rotina de cada uma das 4 entrevistadas para os vídeos presentes na narrativa. 

5. Diários de alimentação das personagens

Cada personagem entrevistada registrou, por sete dias corridos, todos os alimentos consumidos em cada refeição. Os relatos foram acompanhados diariamente pela repórter e, posteriormente, classificados e agrupados de acordo com a classificação NOVA utilizada pela POF, a fim de manter consistência metodológica entre as informações abordadas nas entrevistas e os dados estimados por meio da POF.

Devido à dificuldade de mensuração, não foram contabilizados os ingredientes utilizados no preparo de outros alimentos, isto é, aqueles que compõem o subgrupo de ingredientes culinários processados –  óleo vegetal, açúcar, sal e vinagre, por exemplo. Da mesma forma, por inviabilidade operacional de manter registro das quantidades ingeridas de cada alimento, a análise dos diários alimentares das personagens se concentrou na frequência de consumo de cada porção de alimento, com foco na variedade de alimentos e grupos de alimentos ingeridos. A partir disso, tomamos as frequências de consumo de alimentos e preparações captadas pela POF em nível nacional como referência para observar semelhanças e diferenças com a rotina das entrevistadas.

Referências

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 65 p.

______. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 61 p.